As luzes focavam-se nela. Era o centro das atenções. Os gritos de alegria das crianças desapareceu por completo quando a colocaram no meio do palco.
Não sabia se o cheiro que sentia era o do seu próprio medo, se dos animais que estavam enjaulados lá fora.
As luzes incidiam sobre a sua figura deixando visível todas as partes do seu corpo desnudado. O silencio da plateia após os “ohhhsss” de espanto deixavam-na sempre envergonhada, intimidada, sem saber o que fazer.
Já estava naquela vida há bastantes meses, mas ainda não se tinha habituado.
Há pouco menos de um ano a sua vida era um mar de rosas. Tinha tirado Medicina e iniciava uma carreira que se via, em tudo, promissora. Tinha sido sempre a melhor de todos os alunos da Faculdade e auguravam-lhe um futuro bastante brilhante. Começou a trabalhar para outrém numa clinica privada e era apenas uma questão de tempo para poder conduzir a sua própria clinica.
Até ao dia que aconteceu.
Chegou a casa, como num dia normal, tarde.
Chegara cansada e com vontade de ir directamente dormir.
Vivia só. Não se casara ainda que namorasse.
No silencio do seu quarto, tentava dormir, quando sentiu uma vontade tremenda de se coçar no corpo todo. Começou lentamente, quase acariciando a pele. Mas a comichão aumentava e a vontade de acabar com ela subia!
Ao fim de dez minutos começou a entrar em pânico, porque estava com a pele toda arranhada, quase em carne viva.
Foi à casa de banho e olhou-se no espelho.
Entrou literalmente em pânico.
No lugar da sua cara, bela e sem mácula, via no reflexo, uma cara com bolhas enormes em sangue de tanto se coçar. Despiu-se em pânico e apercebeu-se que tinha o corpo todo assim.
Quase a ser tomada por um ataque de pânico, conseguiu vestir um robe e correu para a viatura que se encontrava na garagem de sua casa.
Ao chegar ao hospital, levaram-na de imediato às urgências.
Após diversos exames chegaram à brilhante conclusão que deveria ser alérgica a algo que lhe fez aquela reacção.
Receitaram-lhe medicação para acalmar a pele e mandaram-na de volta para casa.
Duas horas depois a reacção foi mais violenta. Quase rasgava as carnes de tanta dor e comichão que tinha!
Voltou ao hospital e disseram, após novos exames, que não sabiam a razão para aquilo. Não tinham explicação. Estava tudo bem nos exames.
A partir daí a sua vida passou a ser um inferno.
Perdeu o emprego, os amigos e a própria família a começou a rejeitar.
Exalava um cheiro nauseabundo, o corpo começou a deformar-se, pelos enormes, escuros e grossos cresciam no pouco de pele que tinha. Parecia um bicho, um animal repugnante!
As crianças choravam quando a viam, os homens apedrejavam-na, as mulheres benziam-se e até os próprios cães a atacavam pelas ruas.
Até que um dia ao passar por um circo, um dos indivíduos do espectáculo chamou-a.
A princípio desconfiou. Ficou assustada, não lhe fosse fazer mal.
A medo aproximou-se e ele convidou-a a entrar numa roullotte para conversarem mais à vontade.
Disse-lhe para não ter receio. Era o Dono do Circo e tinha uma proposta para lhe fazer.
Começou dizendo que ela era o que ele sempre idealizara, que poderia ganhar rios de dinheiro, tornar-se famosa, rica.
Após pensar, por pouco tempo, e com a sua falta de tudo, não teve outro remédio senão aceitar para garantir a sua sobrevivência.
A partir daí, a rejeitada pela sociedade e o circo que a acolheu, que até aí era pobre e com poucos recursos, passaram a ter enchentes de espectadores que pagavam rios de dinheiro para ver de perto a Mulher-Bicho do Sul do País!
E sob aquelas luzes fortes do palco principal, enquanto era observada por milhares de olhos ávidos em ver as suas deformidades, sonhava com a vida que tivera. Sonhava com os sonhos que almejara. Para se abstrair da vida que levava.
Stop the world, I wanna get out!
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TOC-TOC-TOC
*Pai Natal:* Epá, já disse que não quero mudar de operador de
electricidade, tenho fidelização com a Vodafone até 2029 e já dei para o
pe...
Há 11 horas
12 comentários:
Fiquei muito impressionada com esta história. Até parece que já estou a sentir comichões. Saafa...
Ah, pensei que ela fosse virar "lobismulher", e afinal quase que acertava... :)
Mas suponho que entendi a simbologia, daquilo que parece ser um mundo perfeito e, de repente, se transforma noutra coisa qualquer... um espectáculo de circo, nomeadamente!
Beijocas!
Dona Tela, cuidado com as coceiras. Nunca se sabe. eheheh
Teté. O mundo que vivemos, seguro e confortável, pode levar grandes voltas de repente, sem o esperarmos! E a vida fica de pernas para o ar!!
Bem, as últimas palavras são as que usaria para mim...mas ainda nem cheguei aos calcanhares dela por ter o corpo assim e...vou aguentando..beijinhos, mas que invenção a do menino...
Laurinha, para inventar estou cá eu.
Beijos
Passei pra você uns selos que guanhei. Está lá no meu blog.
Um texto original e imaginativo, talvez uma parábola sobre as voltas que a vida pode dar... Gostei. **
Obrigado, naty. Beijos
Vida de vidro. É isso mesmo. Beijos
nada como enfiar num palco o grotesco. Depois fala-se em estigmas.
Teresa, o bicho-homem é mesmo assim!!!
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