segunda-feira, fevereiro 15, 2010

O Desejado

- Meu filho, vinde a mim. Teu avô, carne da tua carne, sangue do teu sangue te chama. Filho do Sol e da Lua, chegou a hora de conheceres o significado das letras, a importância dos números.

“Com pequenos passos se aproximou do avô. Alto, austero, pele mais clara que os glaciares, olhos azuis metálicos, decisões e olhar firme, esticou a mão de dedos compridos e finos. Unhas bem tratadas, sorriu com seus lábios finos e rosáceos pegando na mão pequena e receosa do neto.
Aproximou-o e tirou de um saco de pele usado e gasto um livro enorme e grosso. Tinha uma capa, também de pele, e neles estavam gravados a ouro estranhas e misteriosas marcas quais runas celtas.”

- Aqui, frente a ti, tens o pilar da sabedoria: Aqui se apresenta perante ti, meu neto, carne da minha carne, sangue do meu sangue, o princípio de todo o conhecimento.
O sangue dos que nos antecederam.
O sangue daqueles que deram a vida para cresceres alimentando o teu cérebro com os conhecimentos ocultos que passaram de geração para geração, a princípio de boca a ouvido, depois séculos mais tarde, para não se perderem aqui foram escritas.
Sábias palavras que o vento não apagou, que o tempo não mudou.
A partir de hoje, tua vida mudará.
Terás de aprender o significado dos símbolos, a razão dos números, a força das palavras, para mais tarde, quando completares dezoito anos, receberes o legado que te deixarei.

“Tambores rufavam ecoando nos ouvidos da criança. Faziam tremer e vibrar as velhas paredes da casa de pedra onde se encontravam. Lá fora apenas existia o bosque de frondosos carvalhos que isolavam a casa de seu avô do resto da civilização, mas o som de algo invisível continuava a ecoar em seus ouvidos enquanto ouvia solenemente, mesmo sendo muito jovem, a altivez e sapiência de seu avô, guardião de um conhecimento há muito desconhecido para os vulgares mortais, afastados da terra e dos seus segredos milenares.
Enquanto o ouvia, silenciosas criaturas parecidas com pequenas labaredas voavam ao seu redor deixando um rasto cor de fogo e aroma de rosas no ar. Seu avô continuava falando, mas tomando um aspecto intrigado para com ele."

- Há muito, muito tempo, ainda se adorava os Deuses Antigos, houve um grupo de Homens, conhecidos pelos antigos povos da Península como os Luz-Citâneos. Esses homens pertencentes a uma brava e antiga nação da qual somos os seus descendentes, adoravam a Terra e suas divindades.
Conheciam a maneira de ver, falar e visitar seres que ninguém hoje em dia imagina que existem.
Decerto que já ouviste falar de fadas, elfos, centauros e outros. Criaturas mitológicas ligadas ao imaginário dos contos de fadas narrados às crianças como tu, nos dias de hoje.
Esses bravos homens, conhecedores da Sabedoria Antiga herdada de seus antepassados vindos das terras submersas pelo mar, mantiveram viva a tradição de se manterem em contacto e equilíbrio com essas forças da Terra.
De entre esses homens, havia um, bastante jovem, que sobressaia em relação aos restantes. Seu nome era Virgantu.
Nasceu com o Dom. Apenas poucos nasciam com o Dom.
Um dos poderes que o Dom lhe dava era a possibilidade de poder passar pelos mundos com bastante facilidade.
Enquanto os outros homens da sua espécie necessitavam de contactar com os Elementares em épocas precisas, Virgantu, apenas precisava de sorrir e abrir a sua mente àquilo que acreditava.
Abençoado desde que nasceu pelas Quatro Fadas Elementares, Rainhas da Natureza e dos Sete Mundos, cedo se apercebeu e cedo se aperceberam todos os que o rodeavam que ele era o Homem destinado a mudar o mundo físico.
Se os outros homens o deixassem, claro.
Mas como a inveja é dos pecados mais antigos do mundo, Virgantu, não chegou a envelhecer, acabando por desaparecer misteriosamente, mas deixando aos Luz-Citâneos as velhas fórmulas para a harmonia dos Sete Mundos.
Na verdade está escrito que Virgantu se retirou para a Terra das Quatro Fadas quando viu que, além dos Luz-Citâneos, os pobres mortais não eram dignos de conhecerem a felicidade e harmonia da Natureza, porque para além de não a compreenderem cedo a destruiriam.
Na verdade desistiu do seu desígnio, mas as Fadas Rainha perdoaram-no e acolheram-no no seu seio.
Contam os Antigos, que foi proclamado príncipe dos Sete Mundos tendo casado com a filha mais bela das Fadas Rainha, Iriana.
Nesse dia as portas entre mundos se abriram de par em par tendo existido amor e felicidade em todos os cantos da Natureza.
Belas canções bailavam pelos ares e os humanos viram coisas lindas e inimagináveis como nunca tinham sido vistas.
Belas demais para se descrever em letras ou palavras, mas, como sempre os pobres mortais fecharam-se em suas casas com receio do desconhecido.
Foi a última vez que os Portais da Natureza se revelaram aos olhos e mente dos pobres mortais.
A partir daí, apenas os Luz-Citâneos e seus descendentes ficaram portadores do conhecimento da existência desses mundos e desses seres frágeis e belos mas ao mesmo tempo fortes e ferozes para quem lhes quer mal.
Ficaram a partir desse dia a ser portadores do Livro das memórias aguardando a chegada Desejado.
O portador do Dom.
Até aos dias de hoje temos aguardado a sua vinda.
Mas hoje uma nova página se abrirá no Livro das Memórias e essa página terá um nome. O teu, meu neto.
Teu pai cedo deixou de acreditar na herança que lhe estava destinada e só vejo em ti, desde o dia que nasceste, o futuro guardião das Palavras Sagradas.
Aceitas, com força e nobreza esse fardo pesado que pretendo te colocar aos ombros?

- Sim, avô. Por me teres dado a conhecer o segredo e a força das palavras mágicas e dos números do conhecimento fizeste com que crescesse mais do que a minha tenra idade. Não sei se estou preparado mas tudo farei para ser um digno representante dos nobres Luz-Citâneos e tudo farei para manter viva a chama sagrada do conhecimento.

“O avô sorriu e abraçou-o ternamente.”

- Então chegou a hora. Teus pais não estavam de acordo, mas não tem coragem de negar o inegável quando sabem que é e sempre foi o teu destino desde que nasceste. Na verdade não serás apenas o futuro guardião das Palavras Sagradas, porque tu tens o Dom.

- Como sabeis que tenho o Dom, meu avô, se eu próprio não o sei?

- Ouves algo de estranho não ouves, meu rapaz? Música bela e melodiosa no ar? Vês algo não vês, meu rapaz? Bem te vejo a olhar em teu e meu redor como se algo nos sobrevoasse e rodeasse. Tenho estado a observar-te durante estes dias e não enganas.

- Mas avô. O que ouço são apenas tambores rufando na floresta e vejo estas pequenas luzes a subir e descer que nem loucas à nossa volta.

- Pois, neto desejado. Nada disso ouço. Nada disso vejo. Apenas o Escolhido tem o Dom de ver e ouvir os Elementares quando lhe apetece. Ou até quando não lhe apetece, porque a sua mente está aberta aos Sete Mundos.
Estamos esperando por ti há séculos. Contigo os Sete Mundos voltarão a ter esperança renovada de que o equilíbrio da Natureza voltará.
Teremos de te preparar para que estejas pronto para o teu Destino.
Fazer ver ao comum dos mortais que a Natureza e este planeta pertence aos Sete Mundos e não pode ser destruído. Deverá ser amado e protegido para que todos os seres vivam em paz e harmonia. Será uma tarefa hercúlea para a qual deverás ser bem treinado.
Se o nosso mundo continuar no caminho até agora tomado, os outros serão afectados e nada restará a não ser pó e cinzas.
Vinde. Caminhai a meu lado. O destino te aguarda lá fora.

“A porta se abriu e sairam juntos para a floresta.
Milhares de seres elementares esperavam a criança para a receber em seus braços.
Ali estava o Elo perdido, a criança esperada, desejada, para a salvação dos povos.
Seu avô reparava nos olhos brilhantes do neto que tomavam diversas cores e em sua face maravilhada.
Sorriu e sentiu-se animado por uma força enorme e maravilhosa.
Sentiu-se feliz como nunca o tinha sentido, mesmo sabendo que à sua frente apenas estavam os velhos, fortes e frondosos carvalhos que sempre conhecera em toda a sua vida. Por segundos sentiu uma ponta de inveja do seu neto por apenas ele poder ver algo de tão belo que nem ele, portador até àquele dia do Conhecimento Sagrado, pôde ver num segundo sequer da sua vida.
Mas logo se arrependeu do que sentira.
Uma lágrima se assomou nos seus olhos azuis, agora afectuosos.
Ainda não se tinha separado e já sentia saudades daquela criatura de tenra idade.
Largou sua mão e viu-o a ser levado pelo ar como um folha levada por uma brisa da manhã.
Seu neto ria e estava feliz como nunca, brincando com algo invisível.
Por breves instantes pareceu-lhe também ver pequenas criaturas voando, deixando no ar rastos cor de rosa primaveril.
Mas uma coisa tinha a certeza.
Aquele aroma no ar, a flores silvestres, não provinha dos carvalhos ao seu redor.
O neto olhou para o seu avô, sorriu, acenou com sua pequena mão, desejou-lhe um até breve com palavras silenciosas dirigidas directamente ao seu cérebro e desapareceu na Natureza.
Prostrado, chorando de felicidade, seu avô rezou um salmo à Natureza e soube que a partir daquele momento havia uma esperança de sobrevivência.
Tinha começado uma nova era.
A Era do Conhecimento.
Os Sete Mundos voltariam a unir-se.
A Harmonia estaria de volta em breve.
O Desejado tinha voltado.

6 comentários:

redonda disse...

Gostei. Fez-me lembrar alguns dos meus livros favoritos de ficção científica, aqueles com mundos mágicos, como o Senhor dos Anéis, o Tempo dos Duendes e ultimamente os da Juliet Marillier.

Claudinha ੴ disse...

Gostei do carinho e das lembranças meu amigo, um conto de relembrar... Bom final de semana para você e os seus!

mixtu disse...

o escolhido, o desejado...
a busaca de ver ou ouvir, transformar, seres que não se imagina...

abrazo

Klatuu o embuçado disse...

Espero que estejas bem, amigo.

Abraço!

Laura disse...

Bem,escusado será dizer que não li nem metade e muito menos um terço, é enorme, outro dia será, apenas te vim deixar aquele abraço apertadinho...da laura

Teresa Durães disse...

das mãos do avô voa a continuação para o neto