Absorta nos seus pensamentos, de cigarro aceso na mão, mirava com um olhar vazio o copo à sua frente! Já tinha prometido a si mesma que deixaria de fumar. Mas nunca o conseguira! Maldito vício que não a largava! Ainda tão jovem e bela mas... só isso não a deixava. Quanto ao resto era o que se via! Não conseguia amar sem ter um desgosto. Não conseguia se dar sem perder o outro! Via à sua frente uma vida vazia, sem esperança de envelhecer com alguém a seu lado. Alguém que ela pudesse amar e dar tudo de si a essa criatura!
Distraidamente, como qualquer frequentador de bar faz, olhou à sua volta. As mesmas caras, as mesmas pessoas, todos os dias, todas as noites à volta de um copo ora meio vazio, ora meio cheio.
Até que reparou nele. Nunca o tinha visto. Ou talvez nunca tivesse querido reparar nele. Não, nunca o tinha visto mesmo. Era uma cara nova. Alguém que resolvera entrar e sentar-se mesmo em frente a ela do outro lado do balcão!
Reparou nos seus olhos. Brilhavam. Mas estavam tristes. Mas... olhava-a directamente ! Sentiu atrapalhação.
Observada! Mas ao mesmo tempo atraída por aquela alma errante! Tornou a olhar para ele. Colaram os olhares. Ele sorriu. Um sorriso triste com aqueles grandes olhos doces. Ela tentou sorrir! Viu-o levantar-se. Sentiu-se incomodada mas ao mesmo tempo ansiosa! Deu a volta ao bar e sentou-se a seu lado. Por sorte a cadeira estava vaga. Pediu licença antes de ocupar o lugar. Pediu o mesmo que ela bebia.
Olharam-se. E naquele momento aquele olhar valeu mais do que mil palavras.
Absorto nos pensamentos, de copo na mão olhava e observava a bebida a ondular no vidro do copo que tinha entre mãos, bebida que nem sequer tocara os lábios. Era naquelas alturas que gostava de ter tido um vício. Um vício que matasse, como o tabaco ou o alcool. Mas não! Nada disso possuía e o que tinha, o que tivera, um grande amor, alguém lho tirara. Alguém divino, que resolvera chamá-la para junto dele!
Agora, já com uma idade bastante avançada, a seu ver, sentia-se só, triste e sem ninguém com quem falar, com quem discutir, abraçar ou simplesmente olhar como se olha para uma bela flor!
Nunca tiveram filhos. Ambos concordaram em não os ter. para gozarem melhor a vida. Passearem, viajarem, divertirem-se... e agora... nada disso interessava, sentia que na sua vida sempre houvera um vazio que seria impossível de preencher!
Enterrado nos seus pensamentos, olhou em frente, como se de um verdadeiro frequentador de bares fosse, e foi nessa altura que a viu. Bela, jovem, linda de morrer, mas ao mesmo tempo triste, melancólica... e só. Como ele.
Cruzaram os olhares. Foi apenas um momento, mas as suas almas sentiram-se ligadas. Porquê? Não o sabia. Mas algo lhe dizia que aquela jovem que estava ali sentada, só, triste e vazia de vida, era a sua alma gémea. Tão diferente de quem amara, mas a sua alma gémea.
Apanhou coragem, levantou-se e tomou o lugar junto a ela. Pediu licença para o fazer. Pediu a mesma bebida que aquela bela jovem tomava. Devia ter quase uns vinte anos a menos que ela. Ele que agora galopava incessantemente para os cinquenta.
Olharam-se. E naquele momento aquele olhar valeu mais do que mil palavras.
Amara-o como nunca amara nenhum homem na sua vida. Vivera com ele estes últimos trinta anos, sempre cheios de amor e felicidade por se terem encontrado. Por terem descoberto, novamente, a vida.
Agora sentava-se a seu lado. Ao lado de uma cama de hospital onde ele com os seus oitentas, e uma doença incurável, agonizava, esperando apenas que a fria mão da morte o levasse para longe.
Iria ficar novamente só e isso custar-lhe-ia imenso. Não sabia como viver sem ele a seu lado.
Lembrava-se perfeitamente dela. Da sua beleza. Do primeiro momento quando a vira. Daquela noite em que pensara dar um término à vida.
Rejuvenesceu-o, deu-lhe novo alento, fê-lo ver novamente o que era o amor. Mas estava próximo o momento da despedida.
Do outro lado, a sua primeira, o seu primeiro grande amor, olhava-o com os mesmos olhos doces e ternos. Esperava o seu último sopro para que voltassem a estar juntos. Para que ficassem ambos a pertencer à energia do Universo.
Quando ele partiu, fê-lo com um sorriso nos lábios e de mão dada a ela. Chorou e sentiu-se só. Novamente. Naquele mundo triste e cinzento que não tinha nada mais para lhe dar.
Não aguentou muito.
Largou a mão daquele corpo inerte e sem vida. Dirigiu-se à janela do quarto do hospital, quarto que se encontrava num oitavo andar e não esperou. Lançou-se no vazio esperando que ele estivesse à sua espera no fim do salto.
Esperava-a. Mas não estava só. Vinha com uma bela mulher que apenas vira em fotos de álbuns cheios de recordações.
Sorriram para ela.
Ela também sorriu.
Entendeu que o amor é isso mesmo. Universal. Pleno e cheio de ternura. Para a eternidade.
Seguiram as suas novas existências de mãos dadas. Para todo o sempre.
Nunca mais se separariam.
Leituras
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*Com tantas obras lidas de José Saramago "Levantado do Chão" foi-me ficando
para trás.*
*Até que neste aniversário o recebi como presente, comprado num
...
Há 3 horas