segunda-feira, outubro 19, 2009

Coração de Pedra

“Sabes? Se vivesses comigo, seria diferente.
Mas como isso não acontece, não me lembro de ti sequer.
Tens perdido muito.
Não julgues que te vou dar alguma coisa, que não vou.
E se não estás contente podes sair do carro e dar corda aos sapatos”.

O homem que proferira aquelas palavras naquele momento era seu pai.
Dito assim parecia que sempre o quisera a seu lado e que ele não o queria. Mas não era verdade.
Nunca o fora.

Ele não passava de seu filho.
Simplesmente assim, sem o significado que a palavra tem.
Filho.
Sem o carinho que a palavra tem para um pai.
Sem o apoio, o amor, a amizade, a cumplicidade de um pai para a semente do seu sangue.
A caminho das zonas limítrofes da cidade ia a viatura que os transportava, em ritmo lento, de hora de ponta.
Filas de carros bufando e buzinando seguiam pela estrada empedrada.
Todos com destino.
Alguns sem rumo.
Aquela criança, aquele pequeno homem, olhava para seu pai com os olhos marejados de lágrimas.
Parecia que o rio tinha subido até ao nível do seu olhar.
Tudo ficou cinzento, como o dia que corria lento, ausente daquela realidade.
Como a paisagem que passava, desfilando cores cinza nublado nos vidros do carro.
O que se diria a um pai numa hora dessas?
Eram frases que um pai devia dizer a um filho?
Será que entendia que estava a falar com a carne da sua carne?
Que ele era a semente que tinha colocado no mundo?

Pediu para parar o automóvel.
O carro abrandou até parar a sua marcha.
Abriu a porta e saiu.
Ainda se apercebeu que seu pai lhe dizia algo, mas já não o ouvia, já não o via.
Tinha sido a gota de água que fez transbordar o copo.
Tinha sido a última lágrima que deitou ou que alguém vira correr, por palavras amargas e indiferentes de seu pai.

Virou costas e tomou o caminho contrário à correnteza do trânsito.
À correnteza do sangue.
O rio afagava-lhe o olhar.
Refugiava-lhe os pensamentos.
Acalmava-lhe a alma.
Seguiu.
Rumo ao futuro.
Um futuro que era seu e de quem o amasse.
O pai ficara.
Só.
Lá atrás!

Passaram dois homens com a felicidade nos olhos e nos gestos.
Um deles disse para o outro
“Pois é, amigo. Natal é quando um filho nasce. Sinto-me em festa”.

Acelerou o passo.
Enquanto se distanciava do seu progenitor, aquela frase dita naquele momento fez com que seu coração se tornasse pedra!
Pedra que chorava.
Por dentro!
Criando rios.
De amargura!

Nunca mais seria o mesmo.

37 comentários:

Teté disse...

Por incrível que pareça, acho que esta história tem o seu quê de realidade!

Não tanto nas palavras do pai, possivelmente ditas da boca para fora, naquela sobranceria de pais antigos, que julgavam que os filhos não tinham direito ao próprio modo de pensar, teriam de se curvar para sempre às suas vontades. Mas na dor e ressentimento que alguns sustentam pelos próprios pais, que algum dia os levaram a sentir-se desamados...

E esse é um trauma difícil de ultrapassar!

Beijocas!

continuando assim... disse...

é real sim... conheço :(


e o pai fica lá atrás !


bj
teresa

Conversa Inútil de Roderick disse...

Teté, todas as histórias tem o seu quê de realidade, mesmo as mais inverosimeis, o que não é o caso.
Beijocas

Conversa Inútil de Roderick disse...

Teresa. Pois...!
Beijos

Maria disse...

Infelizmente, isto acontece com muita frequência. Cada vez mais.
As palavras não seriam sentidas?!
Já as ouvi da boca de muitos pais, dirigidas a filhos pequenos e grandes.
Obrigada Rod. A história é triste, mas muito real.
Beijinho

Conversa Inútil de Roderick disse...

Pois é, Maria! O pior é que as crianças, mesmo muito pequenas, guardam tudo dentro de si!
É preciso ter muito cuidado com o que se diz às crianças.
Tenho esse cuidado, com o meu filho.
Beijinhos

Maria disse...

Tem razão Rod. Tudo o que se diz a uma criança ou à frente dela, deve ser muito bem pensado. Elas absorvem tudo o que ouvem ou veem.
Ás vezes, até os nossos pensamentos eles sentem.
Beijinho

O Encapuçado disse...

Bom, agora riam-se, mas, mesmo que o meu pai dissesse essas palavras, tenho a certezinha de que nunca as ouviria, ora pois...ah, pai, se cá estivesses, que bom que seria, pois só tinhas palavras lindas para a tua nina...
beijinhos e pobres daqueles que tiveram desses pais... laura

Conversa Inútil de Roderick disse...

Maria às vezes isso acontece! O meu filho por vezes parece que adivinha o que estou a pensar ou o que vou dizer.

Conversa Inútil de Roderick disse...

Laura, mas, se me recordo, quando eras pequenina ouvias! Deixaste de ouvir ao oito se não me falha a memória, não é?

O Encapuçado disse...

Ouvi até aos seis anitos, e o pai nunca me diria essas palavras...beijinhos.

O Encapuçado disse...

Quem é coração de pedra, quem é?

O Encapuçado disse...

Quem é que não me liga nenhuma, quem é?

LopesCaBlog disse...

triste :(

_E se eu fosse puta...Tu lias?_ disse...

Sarava!


corações...

Carla disse...

gostei de ler e acredito que tenha muito de real
beijos

Tatiane Trajano disse...

E o pai cravou um punhual em meu peito, que sangra... até hoje!

Gostei tanto do texto.

=*

Å®t Øf £övë disse...

Roderick,
Há situações e momonetos que são marcantes para o resto da vida, e que podem ser o primeiro dia do resto da vida de cada um de nós. Parece-me que foi nisso que este momento que relatas se transformou.
Abraço.

Laura disse...

vai uma saladinha d'alface?

Zé do Cão disse...

Real, sim Real e bem real.

Abraço

Laura disse...

Houve fados ontem à noite, e nem apareceste, andas tão longe de tudo, desce à terra rapaz...olha a restea de sol..Beijinhos.

Laura disse...

Hoje à tango, o menino dança? ou vai dar-me tampa?...Ah, espremo-te..jinhos.

Unknown disse...

lindo!
gostei muito.

Conversa Inútil de Roderick disse...

FINALMENTE! Não tenho tido acesso ao MEU BLOG, daí não conseguir comentar nem colocar cá nada dsde o dia 19! espero que tenha resolvido este problema.

Conversa Inútil de Roderick disse...

Laura, não foi não ligar, nem ser coração de pedra, no máximo pedra nos rins! eheheh
Estive sem acesso ao blog.

Conversa Inútil de Roderick disse...

Lopesca. Triste, mas verdadeiro. Há muitas histórias assim. E bem piores.

Conversa Inútil de Roderick disse...

E se...
Corações e... artérias....
;-)

Conversa Inútil de Roderick disse...

Carla, obrigado. Beijos

Conversa Inútil de Roderick disse...

Pois é, Tatiane. Mas temos de seguir a nossa vida guardando essas feridas dentro de nós, não é? Beijos

Conversa Inútil de Roderick disse...

Art of love, nem mais! É um virar de página.

Conversa Inútil de Roderick disse...

Laura, junta rabanete e rúcula!

Conversa Inútil de Roderick disse...

Zé do Cão, real realissimo!

Conversa Inútil de Roderick disse...

Laura, quem cantou? Foi à desgarrada? Olha que eu canto, também!

Conversa Inútil de Roderick disse...

Dreycka, obrigado.

o¤° SORRISO °¤o disse...

Oi Roderick.

Infelizmente há pais assim e que acabam formando filhos ressentidos. São momentos que deixam marcas para o resto da vida.
:-(

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TENHA UM MARAVILHOSO FIM DE SEMANA!






♥.·:*¨¨*:·.♥ Beijos mil! :-) ♥.·:*¨¨*:·.♥




http://brincandocomarte.blogspot.com/

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Conversa Inútil de Roderick disse...

Pois é Sorriso, mas se me desses uma dentada... ficava mais marcado!
eheheheh

Laura disse...

e agora é sem acesso a qual deles ?