“Sabes? Se vivesses comigo, seria diferente.
Mas como isso não acontece, não me lembro de ti sequer.
Tens perdido muito.
Não julgues que te vou dar alguma coisa, que não vou.
E se não estás contente podes sair do carro e dar corda aos sapatos”.
O homem que proferira aquelas palavras naquele momento era seu pai.
Dito assim parecia que sempre o quisera a seu lado e que ele não o queria. Mas não era verdade.
Nunca o fora.
Ele não passava de seu filho.
Simplesmente assim, sem o significado que a palavra tem.
Filho.
Sem o carinho que a palavra tem para um pai.
Sem o apoio, o amor, a amizade, a cumplicidade de um pai para a semente do seu sangue.
A caminho das zonas limítrofes da cidade ia a viatura que os transportava, em ritmo lento, de hora de ponta.
Filas de carros bufando e buzinando seguiam pela estrada empedrada.
Todos com destino.
Alguns sem rumo.
Aquela criança, aquele pequeno homem, olhava para seu pai com os olhos marejados de lágrimas.
Parecia que o rio tinha subido até ao nível do seu olhar.
Tudo ficou cinzento, como o dia que corria lento, ausente daquela realidade.
Como a paisagem que passava, desfilando cores cinza nublado nos vidros do carro.
O que se diria a um pai numa hora dessas?
Eram frases que um pai devia dizer a um filho?
Será que entendia que estava a falar com a carne da sua carne?
Que ele era a semente que tinha colocado no mundo?
Pediu para parar o automóvel.
O carro abrandou até parar a sua marcha.
Abriu a porta e saiu.
Ainda se apercebeu que seu pai lhe dizia algo, mas já não o ouvia, já não o via.
Tinha sido a gota de água que fez transbordar o copo.
Tinha sido a última lágrima que deitou ou que alguém vira correr, por palavras amargas e indiferentes de seu pai.
Virou costas e tomou o caminho contrário à correnteza do trânsito.
À correnteza do sangue.
O rio afagava-lhe o olhar.
Refugiava-lhe os pensamentos.
Acalmava-lhe a alma.
Seguiu.
Rumo ao futuro.
Um futuro que era seu e de quem o amasse.
O pai ficara.
Só.
Lá atrás!
Passaram dois homens com a felicidade nos olhos e nos gestos.
Um deles disse para o outro
“Pois é, amigo. Natal é quando um filho nasce. Sinto-me em festa”.
Acelerou o passo.
Enquanto se distanciava do seu progenitor, aquela frase dita naquele momento fez com que seu coração se tornasse pedra!
Pedra que chorava.
Por dentro!
Criando rios.
De amargura!
Nunca mais seria o mesmo.
Leituras
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*Com tantas obras lidas de José Saramago "Levantado do Chão" foi-me ficando
para trás.*
*Até que neste aniversário o recebi como presente, comprado num
...
Há 11 horas